Contra o Consenso: Bovinos
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jeudi, mai 19, 2005

 

Bovinos


Pastagem bovina em Piracaia, SP.

Virou chavão brasileiro reclamar do brasileiro. Eu sou meio crítico, embora talvez mais retoricamente. Acho meio estranho essa mania de tanto parte da esquerda quanto da direita reclamarem do brasileiro em si. Afinal, nós não deixamos de ser brasileiros, mesmo que por ventura venhamos a morar no exterior. É uma questão cultural.

Virou chavão acusar o brasileiro de um povo bovino, como um povo burro, inculto e que segue a massa. Concordo, brasileiro assiste bastante televisão, é muito influenciado pela mídia. Mas que povo não é? Não foi a mídia que enfiou na cabeça dos americanos que Saddam Husssein estava por trás do 11/9? E céus, não foram os alemães, espanhóis, italianos, russos e outros povos supostamente cultos que em massa escolheram regimes horríveis, induzidos por uma minoria? Povo em si tende a ser relativamente simples e manipulável.

Ninguém espera discutir filosofia com o tiozinho na praça em Topeka ou em Santa Fé, ou ainda que o senhor lá em Palermo ou em Frankfurt seja um profundo conhecedor das coisas da vida. Acho o povo brasileiro em si fascinante: seja aquele povo do interior que acolhe todo forasteiro com carinho, seja aquele povo do subúrbio sempre alegre. É justamente pela simplicidade que nos conquista. Mesmo as manifestações culturais desse povo são maravilhosas. E também é um povo que tende a ser relativamente tolerante em alguns assuntos, como gays. Lésbicas em novelas brasileiras tendem a fazer menos barulho que em outros lugares, por exemplo.

O que acho que tende a pender contra o Brasil é justamente quando se sai do povão: a maioria dos países pobres tendem a ter uma elite educada. É o caso de muitos países latino-americanos e árabes. No Brasil temos uma elite que mal-sabe falar inglês ou espanhol, que ignora os princípios mais básicos da geografia e da cultura dos seus vizinhos. Uma elite que paga uma fortuna para assistir uma orquestra e dormir ou ainda que faz vexame na Disney World. Mesmo as revistas, jornais e sites supostamente para a elite tendem a ser simplórios. A mesma elite que acusa o povão de ser bovino e burro.

Também acho curioso essa crítica do brasileiro como um povo gado, já que a maioria que diz isso copia o que escreve de outros autores, sejam o Paulo Francis ou ainda sites estrangeiros, como o LewRockwell, a Counterpunch ou a Weekly Standard. Até ideologicamente, como o povo conservador que quer se passar por libertarians , esquecendo simplesmente que esse é um contexto que nem sempre se encaixa no Brasil. Muitos dos que reclamam do Brasil tem opiniões insuportavelmente pausterizadas sobre um grande número de posições, inclusive com uma devoção bovina a George Walker Bush.

O chavão de que "nós nunca produzimos nada de interessante é bobagem". Nós é que não sabemos reconhecer um gênio pela frente. Heitor Villa-Lobos sempre teve mais reconhecimento na Europa e nos EUA que no Brasil. Machado de Assis, que muito brasileiro olha torto, teve seu gênio reconhecido por críticos como Harold Bloom, talvez o mais conhecido crítico literário vivo. Cicero Dias é um desconhecido no Brasil, mas um artista super-reconhecido na França. Os franceses estarão fazendo umas três exposições em honra dos cinquenta anos da morte de Victor Brecheret, os brasileiros nada. Aleijadinho é reconhecido como gênio por Germain Bazin, um dos grandes estudiosos do barroco. O grande fator comum nos gênios brasileiros é que eles sempre são reconhecidos no exterior, mas nunca no Brasil. A França de Berlioz, Zola, Flaubert sabe valorizar mais a arte do Brasil que nós.

Antes de falar mal do Brasil, certas pessoas deveriam olhar para o seu RG e para sua Certidão de Nascimento.
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