Contra o Consenso: Marilene Felinto contra a Argentina
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jeudi, juin 30, 2005

 

Marilene Felinto contra a Argentina

Marilene Felinto, por anos, foi a voz do socialismo dentro da Folha de São Paulo. Ela, as terças-feiras, colocava seus panfletos contra a opressão das mulheres, dos negros, e de sei lá quem. Era meio cansativo, mas ela continuava. Até,que um belo dia ela é demitida do jornal, acusando de ter sido expulsa pela imprensa burguesa, e passa a escrever na revista Caros Amigos, abusando ainda mais dos chavões.

Curiosamente, ela, que fala tanto de racismo, não dispensa os preconceitos mais elitistas e avaliações a priori. Aqui ela fala da Argentina usando os mesmos lugares comuns e preconceitos da classe média brasileira, num texto absurdamente desinformado e discriminatório(O artigo, como um todo, falando de todo orgulho do Brasil por ser exportador de produtos agrícolas de baixo valor agregado, é uma atrocidade completa. Digna daquela corrente insuportável transmitida pela internet que entre outras coisas falava das batatas fritas vendidas em jornal na Holanda. Mas como o trecho citado é o pior.).

Vamos lá:

A Argentina, um país meio metido a europeu,

Marilene aqui cai num lugar comum bastante repetido por brasileiros que não conhecem a Argentina. Boa parte da classe média de fato orgulha-se demais de suas raízes européias, mas diabos, que parte da classe média latino-americana não faz o mesmo? Não conheço nenhuma colônia estrangeira de países hoje ricos no Brasil que não padeça do mesmo mal. Desde de judeus a italianos e japoneses.

No mais, não sei de onde ela se baseia para tirar essa brilhante conclusão. Ela não se baseia em declarações, nem em fatos. Xúl Solar, mais conhecido artista argentino, obteve seu nome de dialetos indígenas. Patoruzú, um dos personagens de quadrinhos mais conhecidos dos argentinos, é um índio.

hoje desprestigiado e sem credibilidade no mundo,

Desprestigiado? Credibilidade? Como se o Brasil ou qualquer país da América Latina tivesse alguma credibilidade entre os europeus e norte-americanos.

com sua economia no fundo do poço,

É uma economia em franca recuperação, ao contrário da estagnada economia brasileira. Detalhe: mesmo com uma das piores crises em tempos de paz que um país enfrenta desde da Crise de 1929, a Argentina tem vários indices sociais, inclusive renda per capita e IDH, muito superiores ao Brasil.

tem inveja de que a verdadeira potência da América do Sul seja o Brasil.

Mais bobagem. Em primeiro lugar, o Brasil está longe de ser uma potência. Não que ser uma potência de um continente problemático como a América do Sul tenha mais significado que ser o artilheiro do time de futebol de várzea de Guaianazes ou de Ipatinga. Em segundo lugar, ele não demonstra aonde essa inveja existiria. Não cita autores, não cita textos.

Se houve (ou deveria ter havido) um “conflito” recente entre Argentina e Brasil, foi pela agressão racista de um jogador de futebol argentino contra o brasileiro e são-paulino Grafite. Mas, como a imprensa brasileira golpista não existe para defender o direito de pretos e pardos, tratou o escândalo a seu modo blasé (do mesmo modo que as confederações de futebol), condenando, muitas vezes, o jogador brasileiro por ter “exagerado” ao denunciar criminalmente o argentino Desábato.


Bobagem. Eu me lembro dos jornais nas bancas na época. A maioria tratava o caso como se a Argentina inteira fosse racista e estivesse apoiando o jogador. O Agora de São Paulo chegou a pública uma charge, com um jogador brasileiro com os cinco troféus na mão dizendo que esta era a melhor resposta.


Com relação ao caso, a Folha de São Paulo publicou artigos com os seguintes titulos:

Prisão foi exemplar, diz Gilberto Gil
Panorâmica - Futebol: Santos vai ao Uruguai com medo de racismo
Argentino preso em campo diz que é tratado como delinqüente
Saiba mais: Após incidentes, Europa se move contra o racismo
Secretário deu ordem, e polícia entrou em ação
Artigo - Tostão: Ofensa e racismo
Futebol: Grafite promete comandar um "basta", agora no Brasil
Jogador diz que seu apelido não é "pejorativo"
Para CBF, país dá exemplo
Multimídia: Argentinos se dividem por ato de compatriota
Futebol: Argentinos lamentam vítima de exagero


O editorial do jornal sobre o caso, de quinze de abril, é bastante razoável. Defende, claro, que o argentino em questão não deve se transformar em bode expiatório. Que foi a posição de muitos negros, que diziam que caso era uma piada e caso fosse necessário prender todo racista brasileiro não haveria prisão para tanto.

Ora, a Argentina é um país branco, majoritariamente racista

Sim, como se o Brasil fosse uma democracia racial e os descendentes de paraguaios e bolivianos fossem abraçados na rua em São Paulo. Ou, como se cantores negros, como Lenny Kravitz ou mesmo o Alexandre Pires, não fossem bastante populares na Argentina(Sua vinda ao país foi destaque neste semestre).

e cuja história também é marcada pelo extermínio puro e simples de negros africanos.

Os negros, já seriam um minoria bem pequena na segunda metade do Século XIX, antes da população argentina assumir as feições atuais com a vinda dos imigrantes. Também não houve extermínio "puro e simples". O que houve é que, como no Brasil, os negros tinham taxas de mortalidade bem superiores ao resto da população, sendo muitas vezes usados na linha de frente das inúmeras guerras que a Argentina se envolveu.

Quem é preto ou pardo e já sofreu discriminação de argentinos sabe do que estou falando.


Céus, a mulher é incansável! Novamente, Marilene fala vagamente, sem referências nem provas. Mão cita casos de brasileiros "pretos" e "pardos"(Utilizando aqui termos vistos como racistas por negros e mestiços) que tenham sofrido casos de preconceito na Argentina.

Também esquece que os mesmos brasileiros de ascendência africana tem bastante casos de discriminação em terras brasileiras para relatar.

Num artigo para a agência Argenpress, de 2004, intitulado “Africanos em Buenos Aires - Os Outros Desaparecidos”, Roberto Morini afirma que a Argentina branca conseguiu ocultar bem seu passado de escravidão africana, mas que não pode esconder as marcas do racismo que ressurgem da história a todo momento.

O ponto central do artigo de Morini é que a memória da influência africana na sua formação cultural é ignorada, não só do racismo da história argentina.


Morini conta que, em 1810, os negros eram um terço da população de Buenos Aires, mas que em apenas cinqüenta anos já tinham praticamente desaparecido.


O mesmo Morini diz que Buenos Aires naquele tempo tinha uma população de 44 mil habitantes. É o tamanho de uma cidade pequeno no interior(Só em escravos, a província do Rio de Janeiro tinha quase 120 mil, em 1844) . Ele também cita que um dos fatores para essa erradicação de negros foi justamente a proibição do tráfico em 1812, com o fim definitivo deste comércio em 1840. A impressão que se dá é que os argentinos teriam levados os negros para campos de concentração com gás, mas Morini cita motivos como a elevada mortalidade, em especial a infantil, para justificar o extermínio. Não seria nada diferente do que ocorreria no Brasil nesse momento, com a diferença que a importação de escravos por parte dos brasileiros seria muito maior. Ele também cita a forma que os negros teriam suas manifestações culturais e religiosas coibidas, o que não é muito diferente do caso brasileiro, aonde o frevo surgiria da proibição da prática da capoeira, por exemplo.

A diferença, no caso, entre o tratamento de brasileiros e argentinos aos seus negros é que os primeiros importariam muito mais escravos africanos. O problema, justamente, quando se fala em racismo no Brasil é que negros e mestiços são mais de cinquenta por cento da população. Diferente de países como o Reino Unido, Estados Unidos, Argentina.

Segundo Morini, “o fim da escravidão só serviu para exterminá-los”

E no Brasil foi diferente, cara pálida?

e “somente nos últimos anos do século 20 pôde-se observar uma tímida recuperação da visibilidade do africano em Buenos Aires”.


Isso, por quê muitos africanos estariam, por livre escolha, mudando-se para a cidade. Francamente, se os argentinos fossem tão racistas assim, eles teriam voltado para a África. Ou talvez se mudado para o oásis da democracia racial chamado Brasil.

No fim, dá a impressão que a Marilene quer o cargo de Olavo de Carvalho da esquerda. Enche seus textos de lugares comuns, coloca várias declarações sem fundamentar, usa como única referência um texto da internet, é maniqueísta ao extremo. Aliás, se trocarmos alguns termos do texto dela, como "burgueses" por "comunistas" e "pretos" por cristãos", teremos um texto do Olavão.