Contra o Consenso: O preço da passagem
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samedi, juillet 30, 2005

 

O preço da passagem



Uma coisa que a gente nem sempre vê é empresário reclamando que o próprio produto que vende é caro demais. Nunca vi dono de padaria reclamando do preço do pão que vende, por exemplo. Então, foi meio surprendente saber que os empresários donos de empresas de ônibus estão fazendo uma campanha pela diminuição do preço da passagem(Na verdade, claro, é uma campanha para ainda mais subsídios na área).Uma das razões pela qual o ônibus ganhou espaço frente aos bondes e aos trens era não-necessidade de gastos com manutenção das vias, uma vez que estes usavam as ruas e estradas custeadas pelo governo. Não vejo sentido o Estado subsidiar o diesel para o setor ainda mais pesadamente, e a rigor, a proposta do governo custear as gratuidades é um subsídio de forma disfarçada(Muitos idosos e passageiros, não raro, ocupam capacidade ociosa dentro dos coletivos). E bem, considerando que as empresas se recusaram a ceder duas vagas aos idosos(Sendo que muitas vezes existem bastante vagas ociosas nos ônibus) mostra a benevolência dos empresários do setor.

Também é, de qualquer forma, uma grande mostra da bagunça que a área de transportes coletivos se tornou no Brasil: não é nem setor de infra-estrutura estratégica nem é área de livre-concorrência(Segundo uma estimativa publicada na Carta Capital, menos de cinco porcento das linhas contam com concorrência) . É uma grande bagunça, aonde há subsídios ao mesmo tempo que muito empresário fica bilionário com o setor, uma passagem de custo bastante alto(Mesmo frente ao carro) e claro, sem concorrência.

Na prática, se tem os defeitos tanto de um sistema estatal quanto de um privado. O consumidor, usuário, cidadão, seja lá o que for, muitas vezes convive com um monopólio privado. Pior, se alguém perceber que há demanda, e resolver atendê-la, ele pode ser preso e ter sua ferramenta de trabalho apreendida.

É preciso que se discuta a sério a questão. Primeiro, claro, há de se decidir: é uma questão básica de infra-estrutura, que mereça investimentos públicos, ou é uma mercadoria, que deveria ficar a cargo da iniciativa privada(portanto, sujeita às leis de mercado)? O sistema atual, convenhamos, é rídiculo: uma concentração exagerada de linhas em torno das mesmas empresas(A Gontijo comprou a São Geraldo, a 1001 comprou a Rápido Cometa, que controla algumas das principais rotas de São Paulo, a Penha faz parte do grupo Itapemirim. Note que o governo fica desesperado com a concorrência no setor de chocolates, mas ignora a crescente concentração econômica no setor de transportes de passageiros), sem concorrência ou fiscalização(A fiscalização da ANTT e das agências estaduais, mesmo com questões simples, é inexistente. E na prática, no caso dos transportes intermunicipais fora das areas metropolitanas, são as empresas que decidem os horários e as linhas). Para piorar, poucas pessoas sabem que o preço da passagem é definido por uma tabela, por quilômetro rodado, definido pela ANTT ou pelas agências estaduais(Portanto, na prática, deveria-se culpar o governador e o presidente da república pelos preços das passagens).

O custo das viagens é bastante caro. Uma viagem, só de ida, entre São Paulo e Campinas, Sorocaba ou São José dos Campos custa cerca de quatorze reais. Ida e volta, viajando sozinho, isso é quase o custo em combustível e pedágios do sujeito viajar de carro entre as cidades(Note-se que não raro, o custo da passagem de avião fica a um custo não muito acima da passagem de ônibus, para percursos semelhantes). Isso sem contar que fora das rotas entre as principais cidades, os passageiros sofrem com horários escassos e baldeações excessivas. Deveria se discutir também uma reformulação na questão das passagens: não faz sentido rotas de pouca demanda terem o mesmo preço que uma viagem de uma rota de grande demanda. E sim, ao meu ver, concorrência e um pouco de livre-mercado seriam a solução. Não faz sentido rotas entre cidades como São Paulo e São José dos Campos serem dominadas por uma empresa só.

Outro ponto absurdamente chato: é a concentração dos transportes no modal rodoviário. Esse papo de "ônibus confortável" é lenda. Mesmo que o ônibus seja absurdamente luxuoso, viajar mais de dez, vinte horas de ônibus é desumano, para se dizer o mínimo. Claro, há aí o problema que o trem de passageiros são pouco lucrativos, mas francamente, aí está uma área em que o governo poderia investir. Seria mais barato que custear os custos que a manutenção(e em especial a falta de manutenção da rede) proporcionam. Claro, isso significaria, em grande parte, retificações de boa parte da malha, construção de novas linhas(Afinal, nunca houve uma integração nacional de fato nesse modal), unificação das bitolas. Mas os benefícios que isso poderia trazer seriam imensos.

O grande obstáculo ao transporte ferroviário de passageiros, nos tempos da RFFSA e da FEPASA, era a falta de manutenção das linhas, que fazia com que trens viajando a menos de vinte quilômetros por hora um fato comum(Embora, na prática, a desorganização das duas estatais também era determinante, como essa história do Trem Bandeirante, entre Brasília e Campinas, usando em grande parte um trecho retificado da FEPASA, mostraria). Por outro lado, desde da concessão do sistema, muitas linhas foram reformadas. Não seria de nada mal se estudar uma maneira de se reativar um sistema desse tipo. Não trenzinho turistico no Pantanal nem devaneios furados de trem-bala(Como, por exemplo, o furado projeto de trem de alta-velocidade entre Sâo Paulo e Campinas, usando o canteiro central da Rodovia dos Bandeirantes e com uma estação na zona rural desta última cidade).

Há cerca de dez, quinze anos, ao menos se discutia a criação de coisas como sistemas metrôs leves e trens expressos(como a fracassada tentativa de Orestes Quércia na FEPASA). Hoje, mesmo lidando com os eixos mais movimentados da duas principais cidades do país, vende-se a idéia de que corredores de ônibus são a solução. Muitos burocratas afirmam o ônibus ser a opção mais barata, o que nem sempre é verdade. A manutenção de ruas e avenidas é bastante cara, e os danos que os ônibus causam à elas não costuma ser barato(Claro, não são as empresas que pagam pela manutenção dessas vias). Também há o fato de um ônibus se deteriorar muito rapidamente: um trem com sete anos é novo, um ônibus com a mesma idade é ferro-velho. Na prática, nas grandes cidades, o sistema exige pesados subsídios para funcionar. Seria interessante a discussão de sistemas como o VLT ou monotrilhos, inclusive para cidades de médio porte.

O que o sistema atual conseguiu foi um sistema que torna a população e o próprio governo refém de uma classe de empresários acostumada com concorrência nula. Uma sistema mais moderno de transporte de passageiros evitaria o alto custo da manutenção e construção de vias, dos mortos e feridos em acidentes e principalmente, permitiria uma ocupação mais racional do espaço urbano. Também permitiria que a massa desempregada das grandes cidades pudesse se deslocar para regiões do interior aonde essa mão de obra é mais necessária. O que não dá é monopólio privado mantido à força e com subsídios pelo estado. É um absurdo sob qualquer prisma e talvez uma das piores heranças do governo de Juscelino Kubitschek.