Contra o Consenso: Acadêmico e contemporâneo
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samedi, septembre 24, 2005

 

Acadêmico e contemporâneo

Poucas manifestações culturais foram tão criticadas pelos intelectuais do seu tempo quanto o jazz. Theodor Adorno colocava o ritmo no centro da sua crítica do rádio e a cultura de massas, D. H. Lawrence, autor de um dos livros mais combatidos pelos conservadores de todos os tempos(O Amante de Lady Chatelley) via o ritmo com desprezo, assim como o socialista e Bertrand Russell.

Posteriormente, isso mudaria. O escritor americano Norman Mailer e o historiador inglês Eric Hobsbawm onstentariam com prazer sua paixão pelo ritmo dos negros do sul dos Estados Unidos. Hoje, é um ritmo vendido nas lojas junto com a música erudita, a música clássica, aquela música não consegue ter uma denominação que não seja imponente. Outras manifestações vistas como bastante marginais em seu tempo, como a milonga, o tango, se tornariam sinônimos de sofisticação e símbolos de uma classe média/alta intelectualizada.

São demonstrações claras de como classificar e analisar uma obra de arte é uma questão muito mais complexa de que parece. E como certas classificações estéticas podem se tornar perdidas com o tempo.

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Por exemplo, arte acadêmica e arte contemporânea. Arte acadêmica, a rigor, era a arte oriundas das grandes academias do Século XIX, aonde os artistas eram rigorosamente cobrados no acabamento das suas obras e em especial na questão do desenho. Toda a obra era meticulosamente desenhada e esboçada e os artistas passavam anos e anos treinando o desenho de perspectiva e anatomia humana. Curiosamente, hoje, os pintores que dizem acadêmicos têm falhas grotescas de perspectiva e anatomia. São artistas incapazes de desenhar, muitas vezes.

Os fundamentos do que hoje se chama de arte contemporânea nasceram no ínicio do Século, quando o Império Turco-Otomano ainda existia e tanto o nazismo quanto o comunismo dominavam boa parte do mundo ocidental. Ninguém nega que é plenamente possível se fazer uma instalação, uma colagem ou uma obra de arte abstrata inovadora em pleno Século XXI(Assim como é possível fazer uma pintura de nu no estilo clássico inovadora), mas são caminhos perigosos, aonde o risco da repetição é enorme.

É basicamente este um ponto em que muitos artistas cometem. Consideram que o simples uso de borrões e ready-mades é uma forma de contestação. Esquecem que são manifestações surgidas há mais de oitenta anos atrás e que idolatrar Picasso ou Matisse não é muito diferente que idolatrar Leonardo da Vinci e Rafael e que uma pintura cubista por si so não é mais inovadora que uma pintura da Virgem Maria.

Muitos gostam de falar estufados em arte burguresa. Mas os ricos em geral não se alinham junto a Rafael ou a Bouguereau. Muitas grandes galerias de hoje se baseiam fundamentalmente na arte moderna. O próprio conceito de instalação e arte abstrata foram uma bênção para esse tipo de comércio, uma vez que são obras de produção muito mais rápida que um retrato produzido de forma meticulosa.

Se ready-mades eram inovação e contestação quando surgiram, hoje indubitavelmente fazem parte do sistema.

Fica a questão: num mundo dominado pelo computador, que inclusive criou novas formas de expressão do ponto de vista estética, ainda há sentido em artistas contemporâneos que são guiados pela Bauhaus, pelos cubistas e pelos impressionistas? Afinal, qual a inovação e a contestação de uma obra que segue os mesmos padrões de oitenta anos atrás? E se a crítica fundamental à arte acadêmica é a falta de inovação, qual o valor de uma arte contemporânea sem inovação, aonde os artistas seguem ferreamente os preceitos pré-estabelecidos e os ensinamentos de seus professores das universidades?

Por fim, ainda hoje, há algum sentido nos termos acadêmico e contemporâneo? Muitas cidades classificam seus salões de artes dessa forma. Como se classificar uma obra nesses parâmetros?