Contra o Consenso: Como mulher de malandro
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mercredi, septembre 07, 2005

 

Como mulher de malandro

O patriotismo não é um sentimento que cabe muito bem dentro do meu individualismo político. Afinal, como Liev Tólstoi disse uma vez: "Quando penso em todos os males que eu vi provenientes de ódios nacionais, digo-me que tudo isso repousa sobre uma mentira grosseira: o amor pela pátria". E de fato, é de se lembrar como o patriotismo dorme na cama junto com o militarismo, e como povos inteiros são empurrados a matar outros povos em nome da pátria.

Ainda mais no Brasil, aonde o patriotismo segue discursos ainda mais idiotas que a média, como aquele corrente cretina que circula na internet falando das batatas fritas vendidas em jornal na Holanda, como se fora de um bairro de classe média brasileira as coisas não fossem infernais. Ou ainda aquele de que o álcool combustível poderia abastecer o planeta inteiro com tecnologia nacional.

Mas, bem, não consigo negar. Amo este país. Não me lembro aonde eu li que, o amor de pátria era como o amor de mãe. Você ama sua mãe não por quê você a acha superior a todas as outras mulheres do mundo, mas porque ela é sua mãe.

Mas há algo de bastante especial nessa terra que me atrai. Há uma certa simplicidade no brasileiro, um certo sorriso mesmo nas suas piores situações, que é algo arrebatador ao meu ver. Você já viu como as mulheres negras americanas adoram alisar e tingir os cabelos de castanho? Aqui no Brasil não. Nossas mulheres negras adoram ostentar sua negritude por ai. Colocam lindos panos coloridos na cabeça, fazem trancinhas maravilhosas com os cabelos, um penteado mais bonito que o outro.

Há algo muito bonito na visão da construção do país erguida por Gilberto Freyre e seguida pelos integralistas. Do encontro da cultura do português com a do índio, e posteriormente com a do negro. Você já viu uma escultura de Aleijadinho de perto? Você já viu como é maravilhoso um profeta cristão, com uma certa grandeza clássica, com formas fortes como de uma máscara africana? Ou ainda como nossas mulheres podem ter as melhores coisas que uma mulher negra, com de uma loira ou de uma indígena ao mesmo tempo?

Claro, o país tem um zilhão de problemas. Somos uma espécie de ditadura mal-disfarçada de democracia. O Estado é uma grande ferramenta de concentração de renda, com privilégios dados à classe média custeados pelos impostos dos mais pobres. Temos coisas como o Estado mais rico da federação gastar quase dez porcento do seu ICMS com o custeio do ensino superior dado de graça à parcela mais rica da população. Ricos e pobres defendem abertamente soluções autoritárias, como o combate à criminalidade com execução sumária. Temos, talvez, uma das polícias mais violentas do mundo, uma imprensa no geral fraca e ruim. Enfiamos pessoas em ônibus para atravessar o país e achamos que tudo vai bem. Assistimos passivamente o uso do Estado por parte das empresas para enriquecer. Não temos na nossa história um Benito Juarez, um San Martín, um Símon Bolívar. Somos um povo desgraçado pela falta de heróis(E lembre-se sempre do que Bertold Brecht dizia dos povos que precisam de heróis), numa história escrita à linhas tortas.

Mas, diabos, sou como mulher de malandro. Apanho, mas não deixo de amar o agressor. Esqueço tudo isso ao ver aquela menina alegre, moreninha, com olhinhos de indiazinha, toda alegre no trem lotado. Ou, ainda, ao ver o ritmo absurdamente calmo, daquelas cidadezinhas do interior, aonde tudo ocorre em torno da Igreja. Aquele misto de devoção, de fé numa Sexta-Feira.

Não consigo deixar de amar este país e quem nasce nele. É o meu fardo.