Contra o Consenso: Dia sem carro
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vendredi, septembre 23, 2005

 

Dia sem carro

Há uma velha e batida piada contada no dia 8 de março. Muitos dizem que esta data é o "Dia Internacional da Mulher" porque todos os outros dias do ano são "Dias do Homem". A piada agora parece se repetir com o "Dia Internacional sem Carro".

Se há um rei no Brasil, este rei é o automóvel. É ele que guia não só as políticas de transporte, mas muitas das econômicas e sociais também. Por exemplo, qual a primeira coisa que se propõe quando o desemprego atinge índices ainda mais altos que a média? Diminuir os impostos da fabricação de carros. E isso vai longe: nos anos 90, tivemos vários estados brigando a ferro e foice por montadoras(Com incentivos financeiros que fugiam do limite do razoável), uma briga ferrenha pela duplicação de vias, construção de estradas, etc. E claro, isso explica a manutenção da Petrobrás sob o manto estatal, e não raro, gasolina vendida à preços camaradas perto do cobrado internacionalmente.

O mais engraçado do tal "Dia internacional sem Carro" é que justamente os grandes entusiastas da idéia, os políticos e a imprensa, são os grandes adoradores do rodoviarismo no país. Por exemplo, se hoje, em Campinas, se via várias faixas pedindo ao motorista para deixar o carro em casa, tíhamos a mesma administração que fez o pedido orgulhando-se de gastar 120 milhões com recapeamento de avenidas. Numa cidade em que faltam passarelas, com viadutos sem acesso para pedestres e com um transporte público arcaico e ineficiente.

Não raro lemos artigos em jornais reclamando dos efeitos do tráfego de trens em determinadas cidades. Muitos jornais falam como se fosse o apocalipse a passagem do trem de carga por uma cidade, cortando cidades ao meio. Bem, o tráfego numa linha cargueira geralmente não significa mais de um trem passando pela linha por hora e existem praticamente em toda cidade passarelas para pedestres. O problema dos trens, claro, é que eles retiram, por minutos, a majestade do automóvel. Nunca vi ninguém reclamar de uma rodovia dividindo cidades, por exemplo(Sim, há vários casos em que isso ocorre, como em Louveira, pela Anhanguera). Poucos jornais também falam que para um pedestre, atravessar certas avenidas de São Paulo(Como a Faria Lima) pode ser muito mais demorado que o tempo que um motorista leva para ver um trem carregado de soja passar por Itirapina ou Rio Claro.

A mesma imprensa e os mesmos políticos sempre adoraram vender as maravilhas das grandes obras viárias, por mais caras e absurdas que elas fossem. O Rodoanel em São Paulo é vendido como se fosse uma obra ecológica, de grande âmbito social, como se não beneficiasse apenas os donos de carros e as transportadoras. Quase nenhum jornalista jamais quis discutir os vários aspectos negativos da obra, como seu efeito relativamente reduzido sobre o trânsito, seus altos custos e impactos ambientais. E bem, é o mesmo filme de demagogia feito com toda obra viária de grande porte.

Também é uma bela piada os políticos pedirem as pessoas para deixarem os carros em casa. Afinal, poucas coisas no Brasil são mais mal-cuidadas pelos políticos quanto o transporte público. Metrô é coisa de poucas capitais, e com uma extensão bem menor que o necessário. Trem de longa distância, com exceção de duas linhas, inexiste. O sistema de ônibus é uma piada de mau-gosto, com um sistema de monopólio forçado pelo Estado e tabelado de forma uniforme. Na prática, depender do transporte público significa ter que dispender em muitos casos seis, oito vezes mais tempo que no mesmo percurso feito de carro. Significa pagar um custo em passagens próximo ao gasto com gasolina para percorrer percursos semelhantes ao feito de carro(Por exemplo, para se viajar entre Campinas ou Sorocaba até São Paulo de carro a gás, sozinho, mesmo considerando pedágios, gasta-se menos que fazendo o mesmo percurso de ônibus). E claro, significa perder horas esperando em rodoviárias, sujeitando-se à dormir na rua ou ficar acordado a madrugada inteira, à gastar fortunas com táxi, etc.

Os políticos deveriam deixar de certas hipocrisias. Antes de colocar faixas pedindo para as pessoas deixarem o carro em casa um único dia do ano, deveriam dar opções e deixar de incentivar o uso do carro o ano inteiro.