Contra o Consenso: Monteiro Lobato
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samedi, septembre 17, 2005

 

Monteiro Lobato

Quando a nova versão do "Sítio do Pica-Pau Amarelo" estrelou, foi alvo de várias críticas. Alguns reclamaram, por exemplo, da Dona Benta utilizar a internet. Pessoalmente? A série não faz jus à obra de Monteiro Lobato. O sítio que me aparece, digamos assim, é fluminense demais. Não nego que as regiões serranas do Rio de Janeiro sejam belíssimas. Adoro Nova Friburgo e Itataia. Mas, filmar a obra de Monteiro Lobato no Rio de Janeiro me parece como filmar um video-clipe de "Garota de Ipanema" do Tom Jobim no Guarujá, com atores paulistanos. Ou, ainda, filmar a vida de Heitor Villa-Lobos com atores paulistas, no Brás. Não funciona.

Claro, o que nenhum dos zumbis televisivos percebeu é que a série antiga do Sítio também não fazia justiça à obra de Lobato. Lobato criava pequenos épicos para crianças, grandiosos, e isso não caberia numa série barata da Rede Globo.

Lobato, assim como Tolstoi e Dostoivski, basicamente, foi feito para ser lido. Nos livros. Com calma, atenção e muita imaginação.

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Infelizmente, um dos nossos maiores autores tem sido cada vez mais esquecido pelos adultos e pelas crianças. É algo criminoso. Dr. Seuss, por exemplo, mesmo hoje, continua sendo um autor bastante vendido e respeitado dentro dos Estados Unidos. Monteiro Lobato é muito mais que a inspiração de duas séries de TVs ruins e de uma série fuleira de quadrinhos. Era o criador de um mundo maravilhoso, com uma técnica inigualável, costurando tradições de vários mundos.

Afinal, foram gerações crescendo com o nome de Emília como sinônimo de boneca.

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Monteiro Lobato encarnava, com maestria, aquela tradição interiorana, tipicamente paulista, que José Ferraz de Almeida Júnior havia pintado anos antes. A mesma tradição que hoje cidades como Campinas e Barretos gostam de ostentar, de tradição e modernidade ao mesmo tempo, Monteiro Lobato já ostentava naquela época.

Claro, estou sendo egoísta ao querer trazer sua obra para o meu estado. Duma certa forma, Lobato era brasileiríssimo e creio que cada um irá identificar o Sítio do Pica-Pau Amarelo na zona rural mais próxima da sua cidade(Embora, sim, Lobato era da Região de Taubaté, e isso meio que transparece nos livros, incluíndo uma menção à Central do Brasil, ferrovia que servia a região). Afinal de contas, com sua meticulosa e bem feita mistura de tradições brasileiras, de origem africana e indígena, com mitos e personagens europeus, Lobato fez uma grande homenagem ao brasileiro, com sua maravilhosa mistura de culturas.

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O mais legal dos personagens de Lobato é que não haviam lições de moral, conflitos existenciais nem à volta à uma realidade. Se no Mágico de Oz, de Frank B por exemplo, tínhamos uma menina do Kansas presa num mundo mágico em que ela detestava, junto com um leão, um robô e um espantalho descontentes com sua própria existência, no "Sítio do Pica-Pau Amarelo" temos crianças viajando por mundos mágicos basicamente, bem, por que querem se divertir, e temos bonecas e sabugos que não se importam em contestar sua condição. Deliciosamente brasileiro.

Não havia nem resquicios daquela tradição moralista de viver a realidade, que infesta obras como Peter Pan ou Alice no País das Maravilhas. As crianças tranquilamente fugiam da realidade, sem problemas algum com isso. Também, ao contrário da tradição dos contos de fadas, tínhamos crianças agindo como crianças no foco da ação. Não víamos a Narizinho choramingando por um amor, nem longos romances açucarados. Era uma série para crianças, com crianças agindo como crianças.

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Por fim, esqueça a série de TV e certos preconceitos, numa época em que falar asneiras do seu próprio país virou moda. Monteiro Lobato, ao contrário de qualquer novela reverenciada pelos jornalistas, é obrigatório. Em livro, no original.